“Todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis.“
- George Box (1979)
O economista Edward Lazear, em seu artigo publicado no periódico acadêmico The Quarterly Journal of Economics de fevereiro do ano 2000, começa da seguinte maneira: “Em quase todos os testes de mercado, a economia é a principal ciência social. O campo atrai a maioria dos estudantes, atrai a atenção de formuladores de políticas e jornalistas e ganha notoriedade, tanto positiva quanto negativa, de outros cientistas.”. Uma atitude que reflete a percepção dos economistas até hoje. Mas de onde vem esse triunfalismo econômico? Como a teoria econômica induz ao seu comportamento imperialista para apropriar de temas e tópicos de outras ciências sociais?
Para os olhos de muitos, a economia é apenas uma área estéril que estuda exclusivamente o dinheiro e o mercado financeiro. Assim, essa ciência estaria do lado dos grandes detentores de capital, operando de modo a naturalizá-los. Embora se possa questionar que há um fundo de verdade nessa perspectiva, ela oculta uma vasta área do conhecimento que tem a origem no estudo da economia sobre o comportamento humano, as instituições que o circundam e a relação de influência entre ambos. Um caso paradigmático sobre essa abordagem é o livro Freakonomics (2019) e os trabalhos do economista nobelista Gary S. Becker (cujo trabalho já referimos aqui e aqui). Sendo deste último que o presente texto irá tratar, além de outros tópicos relacionados.
Afinal, o que é a economia?
“A economia é a ciência que estuda as formas de comportamento humano resultantes da relação existente entre as ilimitadas necessidades a satisfazer e os recursos que, embora escassos, se prestam a usos alternativos”
- Lionel Robbins (1932)
O que se trata a economia? Com essa questão queremos saber qual é a definição da ciência econômica. Caso o uso de “ciência” lhe seja uma fonte de desconforto, pode se ler mais sobre aqui. Como diz Becker (1976, p.3) há “pelo menos três definições conflitantes de economia [que] ainda são comuns. Diz-se que a economia é o estudo de (1) a alocação de bens materiais para satisfazer as necessidades materiais, (2) o setor de mercado e (3) a alocação de meios escassos para satisfazer fins concorrentes.” Sendo esta última celebremente usado por Lionel Robbins em seu consagrado “The nature and significance of economic science”, no qual trata justamente dessa delimitação da problemática estudada na economia. Entretanto, essas definições delimitadas na exposição de Becker servem apenas para ilustrar o escopo da área e não a distinguem de fato.
Segundo Becker, o fator que separa a ciência econômica das demais ciências sociais é justamente sua abordagem. É como os economistas enquadram os problemas/fenômenos que estudam e a realidade social que os circundam é que faz essa área suis generis. Então, para Becker (1976, p. 5) “[a]s suposições combinadas de maximizar o comportamento, o equilíbrio do mercado e as preferências estáveis, usadas de maneira implacável e inflexível, formam o cerne da abordagem econômica”. Mas o que constitui essas suposições e quais são as suas consequências?
A abordagem econômica do comportamento humano
Para fazer sentido da abordagem apontada por Becker, precisamos voltar ao fundamento último da teoria econômica, que é a escassez. Mas devemos ficar atentos, pois no português há uma ambiguidade em relação ao termo, uma vez que ela é traduzida do inglês tanto da palavra scarcity como da palavra shortage. Aqui, desentrelaçar as confusões conceituais a partir desses termos é essencial para um entendimento robusto da teoria econômica. A confusão advém do fato que no senso comum o termo escassez tem o mesmo significado que o termo em inglês shortage, ou seja, que há uma quantidade limitada de um certo bem. Entretanto, isto NÃO é o que os economistas pensam quando fundamentam a sua teoria, pois escassez como conceituada pelo economista quer dizer apenas que os desejos humanos excedem aquilo que é disponível, isto é, temos desejos ilimitados em um mundo com bens limitados (Alchian & Allen, 2018).
Vale ressaltar aqui que o conceito de escassez como shortage está contido no conceito de escassez econômica. Em outras palavras, escassez implica em shortage, todavia shortage não implica em escassez. Isso se deve ao fato de que algo pode ser limitado e ainda satisfazer plenamente os desejos pretendidos, um exemplo claro disso é o ar. Usamos ar com o único intuito de respirar, assim conseguimos satisfazer plenamente esse fim com os meios disponíveis, mesmo que o ar seja algo limitado. Para entender mais sobre a distinção shortage contra scarcity, recomendo o seguinte texto do professor Rodrigo Penãloza que pode ser lido aqui. Para saber mais dos fundamentos da teoria dos preços, assista aqui.
Quando dizemos que os desejos humanos são ilimitados não estamos dizendo que não há saciação de forma alguma, por exemplo que não há um ponto em que alguém vai parar de fazer algo uma vez que está cheio ou cansado. Estamos apenas falando que os agentes econômicos sempre desejam algo, não necessariamente a mesma coisa. Desejamos uma vida feliz e saudável, desejamos o amor, desejamos bens materiais assim como imateriais, entretanto para satisfazer algum desses desejos precisamos abdicar de outros. Para obter certos bens precisamos entrar em competição com outros agentes que também os desejam, assim como temos que alocar nosso tempo para certas atividades ao invés de outras, então disso deriva-se a fundamental dualidade na ciência econômica da escolha vs sacrifício.
O economista nada mais é que o estudioso desse processo decisório decorrente de situações geradas pela escassez e suas consequências, sendo essas pretendidas ou não. Para realizar uma escolha um indivíduo tem de saber suas alternativas, dentre as opções preferidas escolher aquela que melhor satisfaz seus desejos sacrificando outros desejos no processo. Essa escolha econômica se traduz na alocação de recursos para fins concorrentes referida por Robbins. Por isso, os economistas Armen Alchian e William Allen começam seu livro texto de teoria dos preços da seguinte maneira:
Desde o fiasco no jardim do Éden, a maioria das coisas que conseguimos é por suor, tensão e ansiedade. Dois vilões — a natureza e as outras pessoas — nos impedem de termos tudo que queremos. A natureza é mesquinha: ela provém menos recursos que podemos usar, e muito do que está disponível é feito de útil apenas por trabalho duro. Assim como para outras pessoas, o problema não advém de malevolência: suas e nossas vontades simplesmente excedem tudo que está disponível. Não suponha que se nós fossemos menos gananciosos, mais estaria ao nosso alcance. Ganância os impele a produzir mais, não apenas para si mesmos, mas, miraculosamente, mais para nós também — provido que existam arranjos [institucionais] indutores de produtividade. (Alchian & Allen, 1964 p.3)
Naturalmente, os economistas trabalham com bens econômicos, mas esses não são tão somente os bens de consumo, commodities ou até manufaturados. Mas sim, são qualquer coisa em que mais é preferida a menos, o que novamente nos restringe ao mundo da escassez. Portanto, nada implica que a economia estude somente coisas relacionadas a dinheiro. Houve apenas uma inércia na academia em relação a esses tópicos, pois foram importantes para formação e consolidação desta área do conhecimento. Como ilustração disso, podemos citar como exemplo a análise da divisão do trabalho feita por Adam Smith (1776), a análise de comércio internacional feita por David Ricardo (1817), a análise sobre juros, desemprego e depressões feita por Keynes (1936), a análise do comportamento do preço do mercado de ações por Eugene Fama (1965), etc.
Outra confusão é em relação à ideia de que economistas veem o homem como um ser ultra racional, que consegue computar probabilidades de maneira instantânea, analisando todas as informações possíveis e que busca apenas seu interesse próprio. Isso é falso. Para uma apresentação mais elaborada leia aqui, aqui e em Peñaloza (2018). Vale a nota que quando os economistas dizem que os agentes são auto-interessados, isso não quer dizer que são egoístas, ou seja, que seu único interesse é satisfazer os desejos que tratam de si mesmos. Tanto não é o caso, que há uma literatura sobre altruísmo que curiosamente começa com Becker (1974, 1976) (para uma crítica da visão beckeriana de altruísmo, recomendo Hirshleifer (1977)). Em verdade, segundo Alchian & Allen (2018, p.5) “auto-interesse, como o conceito é usado na economia, significa que você quer mais poder para controlar recursos, seja para seu benefício ou de outrem”. Portanto, não há contradição entre enxergar os agentes econômicos como buscando auto-interesse mesmo quando são altruístas.
Em relação à crítica do homem como uma máquina racional, ou homo oeconomicus, é preciso voltar aos fundamentos últimos da teoria econômica. Como essa área busca estudar a alocação de recursos em um cenário de escassez, desdobra-se disso, como vimos, em estudar desejos, escolhas-sacrifícios e competição. Mas para a teoria ter algum poder descritivo, i.e., ser capaz de explicar os fenômenos, e poder preditivo, i.e., ser capaz de prever fenômenos; se faz necessário alguns pressupostos de como os agentes se comportam. Aqui muitas críticas são feitas afirmando que esses pressupostos são infalseaveis, ou seja, não seriam capazes de serem refutados por evidências, assim como são irrealistas. Para essa preocupação há duas respostas:
- Não há problema com uma teoria adotar teorias infalseaveis, uma vez que toda ciência possui um núcleo duro cujos pressupostos são aceitos de maneira (quase) axiomática. Uma síntese boa desta visão na filosofia da ciência é providenciada por Barbieri (2001, p.4): “Um programa de pesquisa consiste num conjunto de teorias que se alteram ao longo do tempo, conforme regras de decisão metodológicas. No núcleo (hard core) estão as proposições fundamentais, consideradas irrefutáveis pelos cientistas pertencentes ao programa e que, portanto, permanecem ao longo do desenvolvimento do programa. Em torno deste núcleo situam-se as proposições menos fundamentais, que se alteram ao longo do tempo, constituindo o cinto protetor. A heurística positiva consiste na estratégia de desenvolvimento do programa, em termos de regras sobre o que deve ser feito. A heurística negativa consiste em regras sobre o que não fazer, de forma a proteger o núcleo de críticas.” . Para ler mais sobre filosofia da ciência na economia, leia aqui e aqui.
- Adotar a virada friedmaniana ou F-twist.Tal consiste na tese metodológica proposta por Milton Friedman em seu clássico ensaio The methodology of positive economics (1953) em que defende que não importa o realismo das hipóteses, pois o que é relevante quando comparamos teorias é tão somente seu poder preditivo; se ela é capaz de gerar resultados acurados. Neste caso, como o modelo serve para explicar e prever padrões de comportamentos gerais, pode-se abstrair muito da realidade contanto que as teorias cumpram seu papel preditivo e explicativo. Então adotamos uma cláusula como se nos modelos em relação à realidade, ou seja, os modelos econômicos funcionam da seguinte maneira: podemos, por exemplo, modelar um jogador de bilhar dá suas tacadas como se soubesse as fórmulas matemáticas complicadas e às resolvendo pensando em todas as leis físicas envolvidos na ação que vai tomar. Portanto, como diz Friedman se essa hipótese é real ou não é irrelevante contanto que os resultados de sua adoção sejam corroborados pelas evidências, i.e., se adequa bem aos dados. No caso, pode-se friedmanianamente argumentar tal qual Smith (1994) que dado que os agentes econômicos reais em certos cenários experimentais, na média os agentes se comportam como a teoria prediz, então estaríamos legitimados em usar a teoria econômica padrão. Para uma visão crítica dessa posição recomendo Musgrave (1981) e Mäki (2000).
Seja qual for a posição adotada, cabe agora adentrar nos pressupostos comportamentais que os economistas adotam. Explicitados em Alchian & Allen (1964, p.20–23) os postulados são: 1) pessoas desejam uma multiplicidade de bens — ou seja, os indivíduos não querem só uma coisa, mas muitas e esse todo constitui uma multiplicidade de desejos; 2) para cada pessoa, alguns bens são escassos — ou seja, não há como satisfazer todos os desejos, há demandas conflitantes que precisam ser resolvidas; 3) Substituição: cada indivíduo está disposto a sacrificar parte de qualquer bem ou bens para obter mais de outro bem — ou seja, indivíduos sabem discernir suas preferências ou em outras palavras: ele é capaz de identificar a melhor alternativa sacrificada; 4) quanto mais o indivíduo tem de um bem, menor é sua avaliação pessoal da unidade marginal desse bem — ou seja, a substituição pessoal de um indivíduo de um bem para outro não é aleatória, sendo que depende de quanto um indivíduo tem do primeiro bem. Essa também é conhecida como a lei de valor decrescente, que pode ser entendida de maneira intuitiva quando pensamos em relação a comida, quanto mais comemos, menos queremos. Por fim, 5) nem todos os indivíduos têm padrões de preferência idênticos — ou seja, há uma multiplicidade de desejos e preferências enormes entre os indivíduos, que podem ser até conflitantes. Então se segue o lema “o lixo de um homem é o tesouro de outro”.
É importante compreender esses postulados de Alchian, pois embora nem sempre explicitados em manuais de microeconomia, mas é neles que os economistas estão construindo seus modelos. Perceba quão intuitivos e pouco controversos eles são e que passam longe do espantalho de hiper-racionalidade, que os críticos da economia mainstream expõem. Para uma análise geral das críticas feitas pela heterodoxia e respostas a essas, recomendo Lisboa (1998a, 1998b). Entretanto, a crítica não é totalmente vazia, pois é possível tirar algum proveito dela. Afinal, porque as pessoas sistematicamente caem nesse falácia do agente econômico como uma máquina lógica?
Uma explicação razoável para esse erro é que os críticos olham apenas a formalização matemática dos postulados e tomam o modelo como realidade. Assim, é preciso distinguir tal qual Hayek fez em seu célebre artigo “Economics and Knowledge” (1937) a teoria formal de equilíbrio ou Lógica Pura de Escolha e a “análise teórica sobre causação no mundo real”. Sendo essa primeira constituída pelo modelo matemático e seus axiomas. O que está em questão aqui é que os economistas estão tentando explicar fenômenos reais das escolhas dos indivíduos e adotam os pressupostos de Alchian, mas da necessidade de formalização matemática, que é um desdobramento do amadurecimento de qualquer ciência, os economistas expressam esses de um modo matematizado (axiomas, teoremas, equações e gráficos) de modo a simplificar o complexo mundo empírico, abstraindo o ruído e se limitando as relações causais fundamentais do fenômeno que buscam entender.
Ou seja, quando se abre o livro-texto de pós graduação de microeconomia de Mas-Colell et al. (1995) encontra-se que racionalidade (econômica) é definida como completude, i.e., preferências tais que para todo bem x, y pertencentes ao espaço de consumo, x é ao menos tão desejado quanto y ou y é ao menos tão desejado quanto x (ou ambos); e transitividade, i.e., preferências tais que para todo bem x, y e z pertencentes ao espaço de consumo, se x é ao menos tão desejado quanto y e y é ao menos tão desejado quanto z, então x é ao menos tão desejado quanto z. Tal definição nada mais é que uma forma abstrata de representar os postulados apresentados, portanto o modelo carrega em si um atestado de que aquilo não é a realidade, mas uma simplificação abstrata operando de modo como se fosse a realidade para o pesquisador conseguir de maneira indutiva inferir o que pode acontecer de fato no real com certa credibilidade e confiança através desta exposição dos mecanismos causais essenciais.
Para além da interpretação desses postulados como meramente matemáticos, com o único propósito de fazer o modelo “funcionar”. Tais axiomas possuem um significado econômico a modo de representar e modelar os pressupostos comportamentais que os econômicos de fato defendem. A ideia econômica por trás da transitividade é meramente que os indivíduos com essa propriedade sabem consistentemente identificar qual a melhor alternativa sacrificada, sendo assim é possível explicar o conceito de custo de oportunidade. Para ler mais sobre a perspectiva em modelagem leia aqui, assim como, para ler mais sobre teoria da escolha recomendo Faro & Castro (2005), Kreps (2018), Rubinstein (2006) e leia aqui.
Esse agente econômico de preferências transitivas e completas que mora neste mundo contrafactual abstrato e idealizado dos modelos é chamado pelo professor Peñaloza de homo cartesianus, para contrastar do homo oeconomicus dos postulados de Alchian. O Cartesiano é o modelo, já o Econômico o real, ou seja, a teoria é racional, entretanto o homem não necessariamente precisa sê-lo como demonstrou Alchian (1950) transferindo a racionalidade do agente para o mercado; Becker (1962) demonstrando que os teoremas essenciais da economia derivam da escassez e não da racionalidade; e argumentos do tipo money pump que encontramos em Binmore (2008), i.e., argumentos que demonstram a sobrevivência da racionalidade ao longo prazo ao apelar por um mecanismo de seleção que elimina agentes com preferências intransitivas. Para ler mais sobre esses argumentos, leia mais aqui.
A figura acima traduzida de Peñaloza (2018) é ilustrativa dessa distinção entre modelo vs real ou homo cartesianus vs homo oeconomicus, pois nela essencialmente apresenta a mesma ideia de como agentes tomam decisões segundo a teoria econômica, sendo uma constituindo o fenômeno como é para o agente e no outro o fenômeno enquanto modelado pelo pesquisador. Para o homo oeconomius, a escolha é feita apenas olhando as proporções entre os bens que importam e o sacrifício feito entre estes, de tal modo a igualar aos preços relativos, já para o homo cartesianus, a escolha é feita por meio da resolução de um problema de otimização restrita, no caso da maximização da sua utilidade sujeito a restrição orçamentária. Cujo resultado é a igualdade entre a taxa marginal de sacrifício (TMS) e os preços relativos. Esse resultado está dizendo que o benefício que se obtém de consumir uma unidade a mais de um bem sacrificando outros tem de ser igual aos preços relativos, ou em outras palavras, o benefício de uma unidade a mais relativo a outro bem sacrificado é igual ao custo dessa unidade a mais relativo ao custo do bem sacrificado. Para saber mais sobre esse último leiam aqui e aqui.
Novamente, é preciso ter cautela com relação à crítica da racionalidade, uma vez que se faz necessário entender o que de fato está se criticando e o que o economista defende de fato. A imagem acima também tirada de Peñaloza (2018) é ilustrativa neste sentido, pois uma coisa é ilustrar o modelo e outra é o conceito, ou o jeito de pensar do economista com relação à racionalidade. Alguém pode se questionar sobre qual a necessidade da abstração irrealista dos modelos dado que os próprios economistas têm uma interpretação dos fenômenos sociais mais realista?
Primeiro, é preciso entender que não se deve nunca confundir o modelo com a realidade, algo brilhantemente exposto por Hayek em seu artigo “The Use of Knowledge in Society” (1945) e segundo, que ao transcrever as hipóteses por intermédio do linguajar preciso da matemática, os economistas compartilham um mesmo universo do discurso, em que tais modelagens servem como um meio de extrair as intuições fundamentais que possuem dos fenômenos reais e guiar seus pensamentos para as conclusões lógicas dos mesmos inferidas do modelo.
Em outras palavras, como diz Simon e Blume (1994, p.28): “um modelo matemático força o economista a definir os termos precisamente. O economista deve enunciar claramente as suposições subjacentes antes de iniciar uma longa cadeia de raciocínio. A natureza exata da abstração com a qual o economista está trabalhando fica clara, logo de saída, não só na mente dele mas na mente de cada pessoa que está lendo o trabalho. Consequentemente, o debate sobre a relevância do modelo para o mundo real é bastante enfocado. Pode até ser possível traduzir o modelo teórico em fórmulas e estatística, de modo que sua validade possa ser testada com dados do mundo real”.
O modelo é uma abstração contrafactual e o economista tem plena consciência disso. A questão é que há uma clareza lógica maior no desdobrar dos pressupostos num dado modelo quando posto de maneira explícita como por exemplo, em termos de equações. Das consequências dos principais mecanismos causais do fenômeno estudado, extrai-se as intuições, explicações e previsões teóricas que são inferidas ao mundo real indutivamente pelo pesquisador (Sugden, 2000, 2009). Ou seja, modelo é visto conscientemente, ou não, como uma contraste, i.e., “um mundo modelo está sendo usado como um contraste contra a realidade para obter uma visão sobre o impacto causal de alguma característica do mundo real.” (Albrecht & Kogelmann, 2020, p.10)
Além dos ganhos de clareza para o economista que modela, também há um ganho para quem está de fora, uma vez que a linguagem matemática é clara e não deixa espaço para ambiguidades. Uma consequência disso não é só tornar o modelo um bem público a qualquer que esteja interessado (verdadeiramente) a aprender, mas também permite a qualquer um entender quais os pressupostos adotados pelo pesquisador, evidenciando onde o modelo falha ou não. Para entender mais sobre a importância da teoria econômica e modelos, leia aqui e aqui.
A imagem acima tirada de Krause (2017, p. 181) ilustra uma visão geral simplificada das teorias científicas. A lógica subjacente é que com base em nosso conhecimento prévio (nossas teorias), e levando em conta (RE) e muitas vezes fazendo uso de dispositivos heurísticos (H) são construídos Modelo Matemático (MM), visando dar conta de (RE). Muitas vezes, para produzir um (MM), o cientista não dispõe dos conceitos adequados, necessitando criá-los, o que faz quase sempre valendo-se de analogias de teorias ou de conhecimentos anteriores.
Perceba como o modelo matemático teórico é apenas uma camada explicativa para o entendimento da realidade empírica, que por sua vez esconde a realidade como ela de fato é, em uma complexidade que muitas vezes é inacessível à consciência humana. Ademais, diz Krause (2017, p. 185) “se para o cientista a elaboração de um modelo matemático pode bastar, isso em geral não contenta o fundacionista (o filósofo ou o cientista interessado nos fundamentos da ciência), que deseja mais, em especial, conhecer a estrutura das teorias elaboradas.”. A esses últimos recomendamos a leitura de Krause (2017) para estudar sobre a ontologia de teorias científicas. Para uma defesa robusta do uso de modelagem matemática na economia, com seus pontos fortes e fracos, recomendo Rodrik (2015).
Tendo visto a divergência do Lógica Pura da Escolha e “análise teórica sobre causação no mundo real”, além do porque usa-se modelagem matemática em economia, estamos finalmente aptos a entender suposições que apresentamos acima. A abordagem econômica explicitada por Becker pelo comportamento maximizador, o equilíbrio do mercado e as preferências estáveis dizem respeito à estrutura de modelagem do economista, que permite ser aplicado nos mais diversos fenômenos. A suposição do comportamento maximizador a modelagem de teoria da escolha adotada pelos economistas.
Já a suposição de equilíbrio é mais complicada, pois ela dá a entender um sentido físico de repouso, entretanto em verdade o que os economistas adotam é o conceito como um conjunto de decisões ótimas concebidas independentemente, mutuamente consistentes, ou seja, como exposto por Hayek (1937) o estado de equilíbrio é um na qual os dados subjetivos dos agentes ex ante convergem para os dados objetivos ex post na interação do mercado. Isso faz com que todos os planos descentralizados dos indivíduos se encaixem. Para uma formalização dessa noção, recomendo Hudik (2020) e para uma entender mais da sua relação com os demais conceitos de equilíbrio presente na economia, leia Glasner (2022).
A suposição de preferências estáveis também é uma de origem metodológica, tal foi exposta pela primeira vez no artigo De gustibus non est disputandum dos economistas nobelistas George J. Stigler e Gary S. Becker (1977). A cerne dessa suposição é que a construção do modelo de escolha dos economistas tem como conceito fundamental, o de preferências. Através das preferências constrói-se uma função utilidade e a escolha do indivíduo é a cesta dos bens que dá maior utilidade sujeito a restrição que enfrenta, pode ser dinheiro ou tempo. O problema dessa estrutura é que você pode explicar qualquer escolha postulando mudanças ad hoc nas preferências.
Vamos a um exemplo: suponha que economistas experimentais estão testando as implicações do modelo de escolha usual, mais especificamente se as preferências dos agentes são transitivas ou não. Imaginemos que as unidades têm que escolher entre quais bens ele prefere em três cenários: i) bananas contra maçãs, ii) maçãs contra laranjas, e iii) laranjas e bananas. Imaginemos que uma unidade no primeiro caso escolha bananas, enquanto no segundo caso escolhe maçãs. Ou seja, pelas preferências reveladas pelo indivíduo ele prefere bananas a maçãs e maçãs a laranjas, consequentemente se ele for racional deve preferir bananas a laranjas! Mas digamos que o observado no terceiro caso foi que o indivíduo prefere bananas, ou seja, é intransitivo. O economista pode interpretar isso como uma instância falsificadora das suas teses ou simplesmente postular que na verdade as preferências mudaram enquanto o experimento acontecia, e portanto o modelo estava correto e nada precisava mudar. É contra isso que Stigler e Becker estão querendo combater.
O artigo diz que os economistas devem postular que as preferências são estáveis, não necessariamente que elas nunca mudem com o passar do tempo, mas que são persistentes durante o processo decisório. A relevância desse postulado não é só para combater uma conduta pseudocientífica do pesquisador, mas também para forçar ao economista a procurar por benefícios e custos implícitos que expliquem o comportamento observado/estipulado, de modo a não cair nesse estratagema ad hoc.
Uma vez claro os pressupostos da abordagem econômica, segundo Becker pode se perceber de imediato que o escopo da economia é muito maior que meramente questões financeiras e trocas no âmbito do comércio. Isso se deriva do fato de que o economista estuda a escolha dos agentes decorrentes da escassez, algo surpreendentemente geral, uma vez que isso enquadra quase a totalidade das escolhas feitas por indivíduos. Portanto, tal abordagem pode ser aplicada para estudar qualquer processo decisório, como por exemplo, questões tipicamente associadas a criminologia, sociologia, antropologia e demais. Essa expansão da metodologia econômica para áreas decisivamente não-econômicas é intitulada de Imperialismo Econômico.
Esse imperialismo corresponderia ao economista, aplicando sua abordagem a assuntos interpretados como tipicamente não econômicos. Além disso, pode ser entendido mais que uma atividade, mas também como uma mentalidade. Tal modo de pensar é ilustrado pelo parágrafo inicial do artigo de Lazear (2000) sobre o tópico: “[…] a economia é a principal ciência social. […] Em grande parte, o sucesso da economia deriva de seu rigor e relevância, bem como de sua generalidade. A caixa de ferramentas econômica pode ser usada para abordar uma grande variedade de problemas extraídos de uma ampla gama de tópicos.”
Um dos exemplos clássicos do imperialismo econômico é o artigo Crime and punishment: An economic approach do já citado Gary Becker (1968). Nele, Becker usa da teoria de escolha tipicamente usada por microeconomistas para modelar as decisões de criminosos assumindo que estes são agentes racionais, portanto ultrapassando as fronteiras da economia para discutir sociologia e criminologia por meio da abordagem econômica. Para além de criminalidade, Becker também publicou sobre descriminação racial em seu artigo de 1957; sobre demografia e fertilidade em seu artigo de 1960; sobre modelar gostos e alocação de tempo em seu artigo de 1965; sobre família, casamento, divórcio, investimento e amor dos pais aos filhos em seu livro de 1991; sobre interações sociais em livro de 2000 em co-autoria com Kevin M. Murphy; e mais celebremente sobre educação em seu livro de 1975, que sintetiza sua pesquisa prévia sobre capital humano (Becker, 1962,1964). Para uma lista compreensiva das áreas “invadidas” pelo imperialismo econômico para além de Becker, recomendo Lazear (2000).
Por conta desse alargamento das fronteiras da pesquisa econômica, Gary Becker foi laureado com o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel no ano de 1992. Em seu nobel lecture, que consiste em um artigo resumindo a pesquisa vencedora do prêmio, Becker termina o texto com um olhar positivo do seu legado, afirmando (Becker, 1992, p. 402):
Fiquei impressionado com a quantidade de economistas que desejam trabalhar com questões sociais, em vez daquelas que formam o núcleo tradicional da economia. Ao mesmo tempo, especialistas de áreas que não consideram questões sociais são muitas vezes atraídos pela forma econômica de modelar o comportamento por causa do poder analítico fornecido pelo pressuposto da racionalidade individual. Escolas prósperas de teóricos da escolha racional e pesquisadores empíricos são ativos em sociologia, direito, ciência política e história e, em menor grau, em antropologia e psicologia. O modelo de escolha racional fornece a base mais promissora atualmente disponível para uma abordagem unificada da análise do mundo social por estudiosos de diferentes ciências sociais.
Críticas à abordagem
Por mais poderoso que seja o ferramental (teórico) econômico, ainda assim é necessário entender suas limitações, uma vez que como se segue o ditado de Abraham Maslow: “Para quem só sabe usar martelo, todo problema é um prego”. Por isso, é preciso ter cautela e saber das virtudes, assim como os vícios, dessa abordagem. Para fazer sentido da expansão imperialista e suas limitações, adotamos as definições estipuladas por Uskali Mäki (2009): O expansionismo econômico é uma questão de uma busca persistente por aumentar o grau de unificação proporcionado por uma teoria econômica por meio de sua aplicação a novos tipos de fenômenos. O imperialismo econômico é uma forma de expansionismo econômico em que os novos tipos de fenômenos explicados estão localizados em territórios ocupados por outras disciplinas que não a economia.
Para deixar menos abstratos vamos a um exemplo: um caso de expansionismo econômico seria o conceito de Custos de Transação. Tais custos decorrem da transferência de propriedade ou, mais genericamente, de direitos de propriedade (Niehans, 1989, p.320). Até à Segunda Guerra Mundial, a teoria econômica carecia de discussão substancial sobre esses custos, apesar da crescente alocação de recursos nas economias modernas destinado a eles. Um caso pioneiro de tal conceito foi o artigo “The Nature of the Firm” escrito pelo economista Ronald H. Coase, publicado em 1937 (Coase, 1937). Neste ensaio, Coase aborda a questão de por que as empresas existem e o que determina seus limites. Ele argumenta que as empresas surgem porque existem custos associados à utilização do mecanismo de preços (ou seja, transações de mercado) para coordenar a atividade econômica. Esses custos incluem (o que chamamos hoje de) custos de transação, como os custos de coleta de informações, negociação de contratos e execução de acordos.
Utilizando do ferramentário analítico padrão sobre comportamento decisório dos agentes do economista, Coase concluí que as empresas surgem como uma forma de minimizar estes custos de transação, internalizando a produção dentro de uma estrutura hierárquica, em vez de depender apenas das trocas de mercado. Em outras palavras, as empresas existem porque são mais eficientes que o mercado em determinadas circunstâncias. Tal trabalho lançou as bases para o campo da economia dos custos de transação e teve um impacto significativo na compreensão da empresa e do seu papel na economia. Então note, a partir da economia padrão e aplicando um novo conceito que deriva facilmente da teoria se tornou possível expandir essa mesma teoria para explicar uma nova gama de fenômenos que outrora passavam despercebidos aos olhos dos economistas.
Agora, um exemplo de imperialismo econômico seria, por exemplo, a aplicação de custos de transação em economia da família. A teoria econômica tradicional relativa às famílias centra-se principalmente nas ações observáveis do mercado, tais como a demanda de bens e a oferta de trabalho. Vê o agregado familiar como uma “caixa negra” caracterizada apenas pela sua classificação de preferências. Por outro lado, a “nova economia doméstica” oferece uma perspectiva mais abrangente, considerando não apenas o comportamento do mercado, mas também aspectos não mercantis, como a fertilidade, a educação infantil e a gestão do tempo. Dentro desta área, os economistas adotam uma abordagem dos custos de transação que reconhece a importância da organização interna e da estrutura das famílias e dos agregados familiares na obtenção de uma compreensão mais ampla e mais perspicaz das atividades econômicas e dos comportamentos das famílias (Williamson, 1989).
Outros exemplos mais estranhos de imperialismo econômico envolvendo o conceito de custo de transação (ou utilizando uma abordagem/framework de custos de transação) é sobre venda de esposas, pois o fenômeno dos maridos que vendem as suas esposas em leilões públicos há mais de um século em Inglaterra pode ser interpretado através de um quadro coaseano como negociações indiretas de divórcio (Boettke et al. 2014). Ou o problema dos detritos espaciais — detritos de lançamentos de espaçonaves que permanecem em órbita — que pode ser analisado da perspectiva do Law & Economics e da economia dos direitos de propriedade — a abordagem dos custos de transação. Uma vez que as dificuldades colocadas pelos detritos espaciais assemelham-se às tipicamente associadas aos bens públicos e aos recursos comuns. Assim, não é surpreendente que tenha resultado uma tragédia dos comuns, na forma de órbitas desordenadas (Salter 2015).
A unificação teórica pode se dar de duas maneiras: 1) a unificação derivacional, que consiste na questão de derivar grandes classes de sentenças que descrevem o fenômeno a ser explicado a partir de um conjunto parcimonioso de sentenças teóricas ou padrões inferenciais. Baseia-se nas capacidades derivacionais das teorias. As explicações são interpretadas como argumentos. As teorias são consideradas como fórmulas lógicas, possivelmente desprovidas de valor de verdade, servindo à tarefa de gerar implicações e salvar os fenômenos. 2) A unificação ontológica que é uma questão de redescrever grandes classes de fenômenos explicados aparentemente independentes como formas ou manifestações de um sistema comum de entidades, causas e mecanismos. Baseia-se nas capacidades representacionais das teorias em retratar tais sistemas subjacentes. As explicações são interpretadas como descrições da ordem das coisas, ou acontecimentos, no mundo. As teorias são consideradas imagens supostamente verdadeiras dos mecanismos e processos mais simples do funcionamento do mundo; fenômenos são considerados como suas manifestações. Vale ressaltar que ontologia diz respeito ao (estudo do) que é existe ou os fundamentos últimos da realidade [Krause, 2017].
Novamente saindo da abstração: por exemplo, no contexto dos custos de transação, a unificação derivacional poderia envolver a explicação de várias formas de ineficiências de mercado, como monopólios ou externalidades, a partir dos princípios fundamentais dos custos de transação, como os custos de negociação e monitoramento. Já a unificação ontológica refere-se à ideia de redescrever uma ampla gama de fenômenos aparentemente independentes como manifestações de um sistema comum de entidades, causas e mecanismos subjacentes. Já a unificação ontológica poderia envolver a compreensão de diferentes contextos nos quais esses custos surgem, como nas relações entre empresas e consumidores ou nas interações familiares, como manifestações de um sistema subjacente de trocas, negociações e organização. Ou seja, as interações complexas e multicausais dos agentes num ambiente familiar, podem ser redescritos sob o olhar da abordagem econômica em termos e conceitos familiares a esta. Em resumo, enquanto a unificação derivacional busca explicar fenômenos a partir de princípios básicos, a unificação ontológica procura encontrar uma conexão subjacente entre uma variedade de fenômenos, revelando uma ordem subjacente na diversidade aparente.
Tendo em vista o imperialismo econômico e os tipos de unificações possíveis dessa expansão, quando se tratando de suas restrições temos: o imperialismo econômico ontologicamente fundamentado que é o imperialismo econômico cuja conquista é um grau maior de unificação ontológica; e o imperialismo econômico baseado na derivação que é o imperialismo econômico cuja conquista é um grau maior de unificação derivacional, que não é baseada na unificação ontológica. Uma vez que possuímos essas definições em mente, segue-se o seguinte quando se trata da validade (ou não) dessa expansão teórica segundo Mäki (2009, p. 366):
Se escolhermos favorecer a ideia de que a unificação ontológica deve ser buscada pela ciência, então podemos dizer que o imperialismo econômico ontologicamente fundamentado é justificado, enquanto o imperialismo é injustificado se nada além da unificação derivacional for alcançado. A fundamentação ontológica nos dá o imperialismo justificado sob a suposição de que acreditamos que são as descobertas factuais que fazemos sobre a ordem real das coisas que devem determinar o escopo das teorias e as divisões disciplinares em nossas práticas científicas. Nesta suposição, é irrelevante se uma dada classe de fenômenos foi ou não examinada como parte do escopo pretendido de uma disciplina diferente da economia antes de ser ontologicamente subsumida sob um conjunto unificado de princípios econômicos.
Ou seja, dado Mäki percebe-se que nem todo imperialismo é bom, a despeito de todo o rigor e formalismo que a economia pode prover, se os modelos provenientes da abordagem econômica não iluminam sobre o assunto desejado, não provém novas predições, não explicam aspectos não entendidos por outros modelos e se não se ajustam bem aos dados, então não há por que preferir eles em detrimento aos modelos e explicações das áreas às quais pertencem. Até porque, ao apresentarem essas características, não se tornam apenas modelos econômicos ruins, mas modelos ruins. Para ler mais sobre a perspectiva filosófica de Mäki no assunto, recomendo Mäki (2020).
Vale a nota que até agora não questionamos os pressupostos dos economistas, entretanto, e.g., por mais que se deflacione o conceito de racionalidade, ainda sim ele precisa ter alguma substância para não se tornar algo completamente vago e inócuo. E mesmo em tentativas de salvaguardar este conceito ainda sim temos problemas, como no paradoxo de Allais (leia mais sobre aqui) e no paradoxo de Ellsberg (leia mais sobre aqui), ambos mostram uma inconsistência entre escolhas reais e o modelo de escolha quando envolve incerteza. Em ambos os casos gera-se uma pressão para testar experimentalmente as previsões da teoria padrão econômica, que entre outros motivos, motivou a pesquisa dos psicólogos cognitivos Amos Tversky e Daniel Kahneman (1971,1972,1973,1974,1977,1978,1979), que culminou no livro de divulgação Rápido e Devagar por Kahneman (2012) assim como seu prêmio nobel em 2001, que infelizmente não foi compartilhado com Tversky dado seu falecimento anos antes.
O desdobramento desse projeto de pesquisa em confluência com os resultados da economia e teoria dos jogos experimental é que os seres humanos possuem um conjunto de vieses cognitivos que acarretam em desvios sistemáticos das previsões de racionalidade dos economistas (Capra et al. 2020; Carpenter & Robbet, 2022). O grande volume de pesquisas neste tópico levou a formação da área batizada de Economia Comportamental, área esta cujo seu principal criador, Richard H. Thaler, foi laureado com o Nobel de economia em 2017. Em decorrência dessa abordagem mais psicológica e empiricamente informada, cada vez mais foi incorporado aos modelos econômicos o conceito de racionalidade limitada, desenvolvida originalmente pelo nobelista Herbert Simon (1955), que introduz restrições à capacidade de escolha, seja em um limite informacional, seja num limite de computabilidade das opções, seja por uma limitação na atenção, etc. Para uma revisão dessa literatura, recomendo Sent (2018).
Economia Comportamental, por muitos observadores, aparentou como um anúncio do fim do imperialismo econômico, uma vez que cada vez mais parecia que em verdade havia uma invasão imperialista na economia feita pela psicologia (cognitiva). Entretanto, tal aparência se tornou ambígua com a crise de replicabilidade, que atingiu notoriamente a psicologia [Wiggins & Cody, 2019]. Se mostrou que mais da metade dos artigos de psicologia não replicava, e dentre as pesquisas em crise, muitos achados da economia comportamental também se mostraram pouco confiáveis, como pode ser lido aqui. Por isso, para muitos observadores aparentou que o imperialismo psicológico (Davis, 2013, p. 212) teria um reinado curto e que seu fim já foi anunciado, como pode ser lido aqui.
Ademais, como argumenta Muthukrishna & Henrich (2019), a crise não surge de problemas metodológicos, mas do fato de que grandes áreas da psicologia “carecem de qualquer estrutura teórica geral abrangente e integradora que permita aos pesquisadores derivar previsões específicas de premissas mais gerais. Sem uma estrutura teórica geral, os resultados não são esperados nem inesperados com base em como eles se encaixam na teoria geral e não têm implicações para o que esperamos em outros domínios” (apud., 2019, p.1). Sendo este ponto um problema que muitos críticos têm da economia comportamental, uma vez que há uma ausência de uma teoria geral comportamental, a área se torna apenas uma concha de retalhos de fatos estilizados e portanto os críticos permanecem no modelo antigo e apenas acomodando esses fatos nele, assim seguindo a máxima de que só uma teoria substitui outra teoria. Entrando, é digno de nota que há um projeto de pesquisa recente que busca parcimoniosamente explicar a diversidade de vieses cognitivos da literatura com base em conceitos primitivos, vide Oeberst & Imhoff (2023). Porém, ainda é cedo para anunciar um sucesso ou fracasso desse projeto.
Muitos economistas se aproveitaram da crise de replicação para interpretar como se essa fosse uma evidência prima facie para se manter nos modelos de racionalidade de maneira acrítica. Uma vez que quando olhamos para replicação dos artigos em economia, segundo Duvendack et al. (2015), pelo menos 61% dos artigos de economia possuem uma replicação exata. Ou seja, enquanto 60% dos artigos em psicologia falham em replicar, em economia esse número é 40%, o que é visto como positivo por pesquisadores. Assim como, em termos de replicação de p-valor, a economia está melhor comparada às demais ciências sociais e/ou observacionais, para saber mais leia aqui. Entretanto, isso não invalida os problemas com relação aos achados experimentais de preferências intransitivas e erros sistemáticos, que são bem corroborados e conectados (Chapman et al., 2023; Oeberst & Imhoff, 2023). Por exemplo, há uma ampla gama de evidências experimentais de que as preferências são instáveis e dependentes do contexto (Sugden, 2018: vii–ix, 7–13, 42–50).
Ademais, argumentos típicos da defesa da racionalidade, como o money pump, que implicam em custos altos na violação do pressuposto de consistência nas escolhas, mostrou-se não ter suporte empírico algum (Arkes et al. 2016). Algo que vai em confluência com aqueles que argumentam a implausibilidade desse tipo de fenômeno, como Schick (1986) e Levi (2002). Ademais, tais argumentos podem ser vistos como espantalhos lógicos ao problema de irracionalidade, como argumenta Lopes (1996).
Assim como o comportamento maximizador, o pressuposto de estabilidades dos gostos também é erguido em uma fundação arenosa, dado as evidências de que funções de utilidade podem mudar ao longo do tempo devido à variabilidade no tempo da computação neural do valor (Kurtz-David et al., 2019), de quebras estruturais (Cherchyeet al. 2017), ou envolver aversão ao risco (Guiso et al., 2018). Portanto, novamente, por mais que haja razões para ceticismo com relação a economia comportamental, isso de modo algum torna sem substância qualquer crítica feita ao modelo canônico usado pelos economistas. Para uma leitura recente do estado da arte da pesquisa em relação à racionalidade na economia comportamental e experimental recomendo Bernheim et al. (2019a, 2019b) e Paige (2022).
Outra crítica de nota é feita por Deirdre McCloskey (1985, 1994) que defende que não existem standards metodológicos não-triviais na ciência econômica, sendo os únicos critérios relevantes para a prática da disciplina aqueles aceitos pelos praticantes. Ou seja, a ideia aparentemente objetiva de Friedman que a única preocupação dos economistas deveria ser o poder preditivo das teorias é ilusória na medida que a própria capacidade preditiva dos modelos é extremamente limitada e ambígua.
Disso decorre outro problema, que é o fato de que a veracidade de uma teoria se torna ainda mais indecidível, pois se um modelo nada mais é que uma maneira de arrumar os fatos, independente do realismo das hipóteses, para disso fazer previsões, então é preciso estar ciente de que com base no mesmo conjunto de fatos podemos amarrá-los de inúmeras maneiras. Portanto, fica ainda mais difícil quando não usamos realismo como restrição, até porque faz com que não haja restrição alguma na prática. Logo, não há critério de seleção racional entre modelos, uma vez que a predição é limitada e é impossível testar experimentalmente uma hipótese científica isoladamente, porque um teste empírico da hipótese requer uma ou mais suposições de fundo (Harding, 1975; Quine, 1950), dado isso, cabe aos economistas investigar sua própria retórica (McCloskey, 1983).
Há também uma crítica ontológica, tipicamente heterodoxa, da própria percepção dos modelos do mainstream sobre os fenômenos sociais postulados pelos economistas. O cerne dessa crítica é argumentar que os métodos privilegiados pelos ortodoxos, por mais que sejam poderosos e/ou úteis em alguma medida, simplesmente não fazem juz a importantes facetas da realidade social que os próprios economistas buscam estudar. Um exemplo seria o conceito de exploração da classe trabalhadora (Carchedi, 1989; Holmstrom, 1977; Lysandrou, 2000; Marx, 1867; Rubin, 1973), que deixa de ser capturado nos modelos ortodoxos. Embora, há aqueles que tentam unificar os dois mundos, como Cohen (1979) e Roemer (1982, 1988), ainda sim apresentam um sucesso questionável e pouco reconhecido no mainstream.
De todo modo, um exemplo de insuficiência ortodoxa está nos modelos canônicos da microeconomia sobre teoria da firma, essa é modelada como uma caixa preta onde entram insumos e saem produtos. Embora, muito da literatura busca abri-la (Coase, 1937, 1993; para um resumo leia aqui), tais elementos envolvendo os conflitos distributivos quase não aparecem de maneira significativa. Para ler mais sobre uma análise da história do pensamento econômico por uma lente ontológica e demais análises da ontologia da economia, leia Lewis et al. (2020), Mäki (2001) e Meikle (2000).
E agora, José?
Tendo em vista todas essas críticas, como prosseguir? Aqui vale uma análise histórica do porque a despeito das críticas incessantes que os ortodoxos receberam por sua história, esses persistiram em sua dominância nos principais departamentos de pesquisa. Uma permanência a despeito mesmo de das críticas que foram (interpretadas como) incapazes de responder, como por exemplo as advindas da controvérsia do capital (Cohen e Harcourt, 2003). Tendo em vista esse cenário, o que se percebe, pelo menos em respeito a teoria microeconômica, isto é, das decisões de agentes individuais, encontra-se uma grande elasticidade nela capaz de incorporar as críticas assimilando-as de modo a trabalhar com a metodologia preferida dos ortodoxos.
Em parte essa inércia ortodoxa na academia é um desdobramento natural do progresso da ciência normal no sentido atribuído por Kuhn (1962), pois por mais que seja propagado uma visão de ciência ingênua, na qual o cientista é um ser racional que busca isoladamente refutar suas próprias teorias ao arriscar-elas em experimentos cruciais, esta visão está simplesmente e inequivocamente errada. Há muitas críticas a se fazer essa visão ingênua, como por exemplo o fato de que há muito irracionalidade no processo e progresso científico, não existe ciência feita isoladamente e não existem experimentos cruciais, mas para uma leitura mais profunda recomendo Godfrey-Smith (2009); entretanto, podemos pontuar que o critério de falseabilidade simplesmente não é seguido pelos cientistas e o maior exemplo disso é a física newtoniana.
A física newtoniana sempre foi vista e propagada como um dos grandes triunfos humanos em relação à natureza, a exemplo do célebre diálogo entre Pierre-Simon Laplace e Napoleão, na qual o último questiona o cientista pelo fato de que em seu modelo celeste não há menção ao Criador, que o respondo rispidamente “Eu não precisei fazer tal suposição”. Essa conquista da exatidão e do poder da ciência é ilusória na medida que esconde a verdade, uma vez que as supostas leis da natureza não realmente descrevem regularidades da mesma (Cartwright, 1984; Keil, 2005). Um exemplo específico da ausência de falseabilidade na física que nos serve de exemplo é o problema da precessão do periélio de Mercúrio, que era incapaz de ser previsto sem enormes discrepâncias pelo modelo newtoniano.
Diz Kuhn (1962, p. 67):
Como então […] os cientistas respondem à consciência de uma anomalia no acordo entre a teoria e a natureza? O que acabou de ser dito indica que mesmo uma discrepância desproporcionalmente maior que a experimentada em outras aplicações da teoria não precisa requerer uma resposta muito profunda, qualquer que seja ela. Sempre há algumas discrepâncias. Mesmo as discrepâncias mais obstinadas acabam, em geral, respondendo à prática científica normal. Muito frequentemente os cientistas dispõem-se a esperar, particularmente se há muitos problemas disponíveis em outras partes de seu campo. Já observamos, por exemplo, que durante os sessenta anos posteriores ao cálculo original de Newton, o movimento previsto do perigeu da Lua permaneceu só a metade daquilo que a observação média. Enquanto os melhores físicos matemáticos da Europa se mantiveram numa luta mal sucedida com essa discrepância bem conhecida, apareceram propostas ocasionais para modificar a lei newtoniana do quadrado inverso. Mas ninguém levou muito a sério tais propostas e, na prática, a paciência com essa anomalia relevante comprovou-se justificada.
Ou seja, perceba que a despeito de uma instância refutadora da teoria newtoniana, os físicos permaneceram agarrados ao paradigma vigente assumindo que dado o poder explicativo e preditivo da teoria até então, faria sentido aceitar essa anomalia até ela fosse explicada. A relevância disso é que ela ilustra o comportamento do mainstream com relação a ortodoxia, pois afinal se há instâncias refutadoras das teorias vigentes, porque a permanência das mesmas? Justamente pelo fato de que os modelos antigos tem tido algum sucesso empírico, por exemplo o sistema de adsense da Google que utiliza modelos microeconomicos de teoria dos leilões com todas suas hipóteses ditas irrealistas, mas que mesmo assim geram os bilhões esperados pela grande empresa (para saber mais, leia aqui).
Dado esse sucesso e do fato que tais modelos abordam os problemas de tal modo que gera um espaço fértil para explorar novas ideias e novos modelos, o mainstream permanece com sua abordagem. Um exemplo claro do velho adágio “você precisa de um modelo para mudar outro modelo”, uma vez que ciência avança um funeral por vez. Ademais, como já dito acima há uma grande elasticidades nos modelos ortodoxos, principalmente da microeconomia, que são ilustrativos da fecundidade comentada.
Um exemplo claro desse processo é a crítica à hipótese de informação completa dos modelos de equilíbrio geral, algo por exemplo criticado já em Hayek (1937,1945) [para saber mais, leia aqui e aqui]. Entretanto, já na década 70 foram desenvolvidos por Akerlof (1970) modelos de informação incompleta, que logo foram incorporados à ortodoxia, sendo hoje em dia ensinados em cursos de microeconomia. Outro exemplo é a falta de uma análise institucional, algo que vem dos antigos institucionalistas (Rutherford, 2011), tal que por sua vez foi incorporados à micro e a teoria de crescimento padrão com o programa de pesquisa da Nova Economia Institucional (Alston et al., 2023). Ou mesmo as críticas às hipóteses de completude e transitividade nos modelos de escolha, que por sua vez Mas-Colell (1974) provou um teorema de equilíbrio que dispensam adotar tais axiomas. Mas seria isso suficiente? Então, cabe a heterodoxia simplesmente persistir na crítica até conceda a sua posição metodológica e eventualmente ser apropriada ao mainstream e ortodoxia?
Não é o caso justamente por que as divergências entre as abordagens não são meramente de fontes metodológicas, mas também moram no cerne da própria ontologia da economia. Ou seja, de quais elementos privilegiar, como enquadrar o problema, qual é o problema econômico, etc. Vamos então partir do simples pressuposto que independente da abordagem, ortodoxa ou heterodoxa, a ciência é um projeto que busca a verdade e é falibilista, i.e., a tese epistemológica de que podemos aceitar certas preposições mesmo não estando conclusivamente justificadas. Tendo em vista isso:
- Há inúmeras maneiras de se chegar na verdade, mesmo que de maneiras contraditórias. O que importa realmente é uma convergência em resultados;
- Pelo falibilismo somos comprometidos com a ideia de que podemos estar errados. Então, suponha que haja uma abordagem que tenha chegado num resultado, entretanto outras convergem para outro. O que se segue disso é menos do que se espera. Afinal, a convergência pode estar errada. Então não há motivo a priori para descartar esse resultado inusitado, argumentando com base na convergência.
Obviamente podemos argumentar de maneira bayesiana que nosso grau de confiança aumenta dado a convergência. Mas, mesmo assim, isso não implica que podemos descartar alternativas a priori. Obviamente, todo nosso processo científico cauteloso deve ser feito levando em conta o aforisma de Carl Sagan (1979): “afirmações extraordinárias requerem evidências extraordinárias” Junto a isso é preciso estar ciente da história e filosofia da ciência, que como nos mostra Kuhn (1962) e Laudan (1978), o progresso da ciência não é nada linear e tão pouco completamente racional.
Um exemplo disso é a própria trajetória metodológica da economia, uma vez que a predominância de modelos neowalrasianos e de todo formalismo e matematização crescente da pesquisa econômica, que se associa com ao projeto de equilíbrio geral, desdobrou-se de investimentos pós segunda guerra nesse tipo de modelagem (Goodwin, 1998; Mirowski, 1998). Essa revolução, segundo o economista e historiador do pensamento econômico Mark Blaug, pode ser denominada de Revolução Formalista. Como diz Blaug (2003, p.397):
Os economistas emergiram da Segunda Guerra Mundial cobertos de glória porque seus conhecimentos técnicos provaram ser surpreendentemente úteis para lidar com problemas militares, empregando novas técnicas de otimização como programação linear e análise de atividades […]. Em todos esses exercícios, a matemática teve um papel importante e, no entanto, a Revolução Formalista foi muito mais do que a aplicação de técnicas matemáticas à economia. Em vez disso, estava se divertindo com a modelagem matemática como um fim em si mesmo e tratando a solução de equilíbrio do modelo econômico como a resposta final para a pergunta que motivou a investigação em primeiro lugar.
Consequentemente, reitero a multiplicidade de fenômenos que são iluminados utilizando a abordagem econômica. Entretanto, como diz o ditado de Abraham Maslow “Para quem só sabe usar martelo, todo problema é um prego”. Dado o falibilismo e as dificuldades inerentes de tirar conclusões apenas de dados observacionais na economia, a complexidade do mundo social nos obriga à humildade epistêmica. A abordagem econômica é poderosa, mas não é a única ferramenta e muito menos o único jeito de enquadrar um dado fenômeno. Então, cabe ao economista não se autoproclamar o rei das ciências sociais, mas dialogar com outras áreas e outras abordagens, assim atingir uma consiliência (Wilson, 1997) — i.e. convergência de evidências — maior deixando florescer um pluralismo crítico entre as teorias e aumentar cada vez mais nosso entendimento do mundo e do homem.
Para deixar menos abstrata essa noção pluralista, voltemos ao exemplo do conceito de exploração. Embora, pode-se argumentar que esse conceito está embutido nos modelo canônico Novo Keynesiano (Galí, 2015; para uma versão simplificada leia aqui, aqui, aqui e aqui) no que diz respeito à equação de fixação dos salários, tal comparação seria superficial. No modelo, o conflito distributivo entre a classe trabalhadora e os donos dos meios de produção pode ser dita que é parametrizada em alguma variável ad hoc, embora não se utilize os termos que usei. O problema dessa estrutura de modelagem é que ela deixa de fora questões quaisquer categorias historicamente determinadas, ou seja, a relação estabelecido mediante o contrato de trabalho tal como a relação de poder do dono da firma e de vende a força de trabalho é consequência de um longo processo histórico, na qual categorias como classe, parecem ser iluminadoras quando abordamos essa problemática desta maneira.
O que quero pontuar com esse exemplo não é fazer uma defesa do marxismo, mas apenas ilustrar que há toda uma realidade social que fica à margem quando olhamos para este problema única e exclusivamente sob essa lente. O que demonstra o ponto do pluralismo, que é tão somente que devemos usar o ferramental conforme a natureza do problema, assim ter ciência dos vícios e virtudes de cada modelo e não tentar encaixar o mundo em uma caixa estabelecida a priori. Entretanto, cabe pontuar aqui que há uma necessidade de pluralismo de métodos, e não meramente de resultados. Falta à economia uma atitude laissez-faire, tal qual expressa por Rubinstein (2017, p. 169): “Eu não tenho respeito por regras na economia e as vejo como barreiras à entrada criada pela ‘guilda’ [mainstream economico]”.
Certamente, conflitos entre abordagens e métodos é inevitável, até mesmo aqueles que são inconciliáveis na medida que advém da adoção de pressupostos contraditórios entre si. Não há resposta fácil para essas questões, porém com ponderação, humildade e com todos os lados fazendo suas concessões, uma convergência é possível. E mesmo que se possa contra-argumentar apelando por paradigmas kuhnianos (Kuhn, 1962) ou projetos de pesquisa lakatosianos (Lakatos, 1976, 1978), i.e., essencialmente defendendo a lá Rodrik (2015, p. 199), que “nenhuma disciplina acadêmica é permissiva com quanto às abordagens que divergem muito das práticas prevalecentes […]”. Mesmo assim, é preciso ter em mente que esses (meta)modelos que tentam pontuar e descrever os elementos suis generis do fazer científico, simplesmente falham em capturar a extrema heterogeneidade epistêmica do próprio fazer científico, vide Laudan (1983).
Dado a natureza do objeto de pesquisa, dos elementos normativos implícitos nos modelos, que geralmente são ignorados pelos economistas (Atkinson, 2011), e dos efeitos sociais práticos das posições do mainstream econômico, se faz necessário não só um rigor maior, mas também um suscetibilidade à práticas divergentes. Não só por uma questão de permitir florescer novas ideias, mas também para servir como um sistema de pesos e contrapesos dos viés dos pesquisadores. Assim como, pode servir para gerar credibilidade na pesquisa, sendo afinal essa confiança de que a produção é crível, que justamente define o fazer científico. Como diz Hansson (2013, p.70):
Ciência (no sentido ampliado) é a prática que nos fornece as afirmações mais confiáveis (i.e., epistemicamente justificadas) que podem ser feitas em um determinado momento sobre um objeto de estudos abarcado por uma comunidade de disciplinas do conhecimento (i.e., sobre a natureza, nós mesmos como seres humanos, nossas sociedades, nossas construções físicas e nossas construções mentais).
Assim, para o progresso do conhecimento humano a solução não é imperialismo, mas interdisciplinaridade, assim como a pluralidade. Para retornar mais uma vez ao exemplo do conflito entre classes, há um esforço recente pela parte do economista do MIT Ivan Werning em co-autoria com Guido Lorenzoni de entender o que é inflação sob uma nova perspectiva, muito disso decorre da alta da inflação nos Estados Unidos no mundo pós-Covid, assim como dos debates sobre se esta era transitória ou não (Lansing, 2022). A dupla buscou formalizar no linguajar ortodoxo a teoria de inflação como conflito, uma visão proeminente na tradição pós-keynesiana, desenvolvida principalmente por Kaldor (1940,1955,1985) e Kalecki (1954,1971).
A teoria do conflito estabelece que “a inflação resulta das reivindicações conflitantes sobre a renda feitas por trabalhadores e empresas, reivindicações que são afetadas pelo relativo poder de barganha dos dois grupos” (Dutt, 1992 p.579). Lorenzoni e Werning (2023a, 2023b) então formalizam esses conceitos utilizando do arcabouço ortodoxo como expectativas racionais e o modelo Novo Keynesiano. Há uma aproximação bem explicita por parte da dupla de dialogar com a tradição pós-keynesiana, e essa aproximação é importante uma vez que há um viés (ideológico) por parte dos economistas de escutarem apenas quem faz parte da sua tradição, como demonstra experimentalmente Javdani & Chang (2023).
Esse viés é evidenciado pelo fato de que o modelo de Lorenzoni e Werning está longe de ser a primeira formalização dessa tese em um arcabouço analiticamente tratável sobre inflação como conflito, como por exemplo podemos ver em Dutt (1992), Stirati (2001), etc. Entretanto, como Werning é um professor do MIT e respeitado pelo mainstream, então a tese passa a ter credibilidade e elimina o ruído na comunicação entre as tradições decorrente de tribalismo despropositado. Tal aproximação permite que a outrora infértil terra arrasada entre as trincheiras dos ortodoxos e dos heterodoxos se torne um campo fecundo para exploração conceitual, e quem sabe, progresso científico.
Após os debates oriundos da controvérsia do capital, o economista nobelista Paul Samuelson celebremente sintetizou suas considerações no artigo “A summing up” (Samuelson, 1966), afirmando da necessidade de abandonar os modelos inconsistentes, mesmos que no passado produziram um grande poder explicativo e preditivo. Ao contexto corrente, parafraseio a declaração de Samuelson da seguinte maneira: Se tudo isso causa dores de cabeça aos nostálgicos dos velhos dias do imperialismo econômico, devemos nos lembrar que os pesquisadores não nascem para viver uma existência fácil. Devemos respeitar e apreciar os fatos da vida.
Conclusão
Em conclusão, o pressuposto de racionalidade, junto com a ideia de equilíbrio de mercado e preferências estáveis, é típico da abordagem econômica, como exposta por Gary Becker. Tal abordagem trata dos desdobramentos alocativos e competitivos da escassez, com isso é essencial ao economista uma modelagem para fazer sentido das decisões dos agentes frente a esse cenário e do sistema de incentivos na qual ele está inserido. Dado a própria natureza do problema, tal ferramenta permite que seja aplicada para uma diversidade de problemas, que vão muito além daquilo que tipicamente se associa à economia, como mercado financeiro, dinheiro e trocas comerciais.
Entretanto, embora tal metodologia seja valiosa, é preciso lembrar que, como qualquer ferramenta, ela é apropriada para alguns contextos, mas não para outros. Há muito o que se questionar e melhorar. Sendo justo, as críticas ao longo do tempo têm sido incorporadas, entretanto a economia ainda trabalha sob uma única forma de enquadrar os problemas e há motivos para crer que não seja suficiente, uma vez que não engloba facetas dos fenômenos sociais que os pesquisadores acham que merecem explicação. Por isso, é de bom tom não só exigir consistência, rigor e o melhor das evidências, mas pluralista. Até porque, se combate a ciência ruim com uma ciência melhor. Espero que tenham gostado e até a próxima.
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